"O Melhor caçador é aquele que usa a sabedoria como sua principal arma." M. F.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Os Sabbats e a Roda do Ano

Os Sabbats (termo vindo do grego, da mesma origem de Σάββατο - Σάββ - descansar) são as principais celebrações do ano para os bruxos. Diferente dos Esbats, que são rituais lunares, com o foco na Deusa, os sabbats são rituais solares, centrados no ciclo de morte e renascimento do Deus, que nasce da Deusa, e que dela se enamora. Do enlace de amor da Deusa (a própria terra) fertilizada pelo Deus (o Sol) surgem os frutos.

Gerald Gardner, ao reconfigurar as antigas práticas de bruxaria, criando a Wicca, formatou uma roda do ano. Ele se baseou em antigas tradições celtas da Irlanda e de outras regiões da Europa ocidental para compor os oitos rituais que hoje são celebrados pela maioria das tradições de bruxaria. Os oito Sabbats são subdivididos em maiores e menores e são celebrados de acordo com a localização hemisférica (Norte ou Sul). Os maiores são Samhain, Imbolc, Beltane e Lammas, inspirados nos festivais celtas e os menores são celebrados nos equinócios e solstícios, e são: Yule, Ostara, Litha e Mabon; esses últimos marcam as passagens das quatro estações primavera, verão outono e inverno. Esses rituais, dependendo do Hemisfério Norte/Sul, são celebrados nas seguintes datas:

Hemisfério Sul:

  • Samhain 1 de Maio
  • Yule 21 a 23 de Junho (Solstício de Inverno)
  • Imbolc 30 de Julho
  • Ostara 21 a 23 de Setembro (Equinócio de Primavera)
  • Beltane 31 de Outubro
  • Litha 21 a 23 de Dezembro (Solstício de Verão)
  • Lammas 2 de Fevereiro
  • Mabon 21 a 23 de Março (Equinócio de Outono)

Hemisfério Norte:

  • Samhain 31 de Outubro
  • Yule 21 a 23 de Dezembro (Solstício de Inverno)
  • Imbolc 1 de Fevereiro
  • Ostara 21 a 23 de Março (Equinócio de Primavera)
  • Beltane 1 de Maio
  • Litha 21 a 23 de Junho (Solstício de Verão)
  • Lammas 1 de Agosto
  • Mabon 21 a 23 de Setembro (Equinócio de Outono)

Os Sabbats conectam os bruxos aos ciclos da natureza, considerando a sazonalidade dos picos de maior/menor intensidade da luz do Sol e a repercussão nos ciclos da terra. A terra todo ano passa pelo processo de estar apta para ser semeada, germinar, dar os frutos, tornar-se momentaneamente inapta e finalmente ser arada, para que o ciclo recomece. É o Sol que dá a força para que as sementes colhidas, no plantio anterior, sejam germinadas, para que haja uma nova colheita. A conexão, que a bruxaria nos leva a ter com os ciclos da terra, faz-nos entender que também há ciclos pessoais, que vivemos nas nossas vidas. Novos projetos, novas esperanças, momentos de colher os frutos de nossos esforços, a solidão, a escassez, assim como a desesperança, são circunstâncias da nossa vida. Celebrar a roda do ano é viver o mistério de morte e renascimento, que vivemos repetidamente ao longo da nossa existência.

Há uma grande polêmica em torno da celebração da roda do ano, sobretudo quando algumas tradições e bruxos solitários, que vivem no Hemisfério Sul, optam por rodar pelo norte. O principal argumento daqueles que criticam é que há um descompasso com as estações e os períodos sazonais, que impedem a conexão do bruxo com os ciclos da terra. Por exemplo, o Litha é um sabbat celebrado no dia do solstício de verão, que no Norte é em 21 de junho e é dia mais longo do ano, mas no Sul o dia 21 de junho é a noite que é mais longa, e o solstício é de inverno. Essa explicação, de imediato, é um argumento forte para que quem vive no Hemisfério Sul rode pelo Sul.

Entretanto, temos que entender que a lógica das estações não se enquadra em todas as regiões do hemisfério norte, e nem do hemisfério sul, ou seja, as estações não são definidas em grande parte do mundo. Podemos explicar isso, considerando, inicialmente, o movimento elíptico da Terra em torno do Sol e o seu formato esférico (que com certeza não é plana; com licença aos terraplanistas); por essa razão a incidência dos raios solares sobre as regiões divergem, dependendo da parte do globo, inclusive dentro do mesmo hemisfério. As estações são, geralmente, bem definidas nas regiões que ficam entre cada trópico e sua respectiva região polar hemisférica, a saber: Trópico de Câncer e Região Polar Ártica, ao Norte, e Trópico de Capricórnio e Região Polar Antártica, ao Sul. Há muitos outros fatores geográficos que, também, incidem sobre o clima, temperatura e, consequentemente, nos ciclos da terra, como relevo, proximidade ao mar etc.

A região que fica entre os trópicos, sobretudo quando mais perto da linha do Equador, como é o caso do Nordeste do Brasil, não têm as quatro estações definidas. Nessa região é bastante delicado rodar, esperando que as estações deem o sentimento de conexão com a terra, pois em vez de termos primavera, verão, outono e inverno, temos tempos de chuva e de sol. E mais, a incidência de chuva e sol é muito irregular. Já vimos, muitas vezes, em pleno dia de solstício de inverno no sul, ser um dos dias mais quentes do ano, em nossa região; assim como no dia de solstício de verão, em 21 de dezembro, caírem chuvas muito fortes.

Considerando esses fatores, os bruxos dessas regiões, cujas estações não são bem definidas, se veem na necessidade de encontrar uma forma de viver a roda e se conectar ao ciclo local da terra. Há um ciclo que poderíamos citar como elo de conexão, que é o plantio do milho (esse grão é muito simbólico para essa região). O melhor período de plantio é em março, e as colheitas começam em meados de junho/julho e a última acontece ao final de outubro; dos meses de dezembro a fevereiro a terra descansa, para ser novamente preparada para um novo ciclo, pois também não estaríamos conectando diretamente com as estações, e sim com os processo da terra ao ser preparada, fertilizada, semeada, dar suas sementes e frutos, nas colheitas, e tornar-se, momentaneamente, inapta para o plantio, até todo um novo ciclo recomeçar.

Desse modo, entendemos que para além da crítica “quem mora no Sul, tem que rodar pelo Sul!”, há uma motivação e intenção do grupo ou bruxo que opta por uma roda ou outra. O mais importante é o sentimento e a possibilidade dos sabbats a serem vivenciados levarem as pessoas que os celebram ao principal objetivo, que é celebrar a vida e seus mistérios.

Att. J.F.

Referências:

Musgrave, James Brent & James Houran. (1999). «The Witches' Sabbat in Legend and Literature».

Wilby, Emma (verão de 2013). «Burchard's strigae, the Witches' Sabbath, and Shamanistic Cannibalism in Early Modern Europe». Magic, Ritual, and Witchcraft.

Farrar, Janet e Farrar, Stewart. Eight Sabbats for Witches (1981) (published as Part 1 of A Witches' Bible, 1996) Custer, Washington, USA: Phoenix Publishing Inc.

Gary, Gemma (2008). Traditional Witchcraft: A Cornish Book of Ways. Troy Books.

Crowley, Vivianne. Wicca: The Old Religion in the New Age (1989) London: The Aquarian Press.

Gallagher, Anne-Marie. (2005). The Wicca Bible: The Definitive Guide to Magic and the Craft. London: Godsfield Press.

AYOADE, J. Introdução à climatologia para os trópicos. 2ª edição. São Paulo: Ed. Bertrand do Brasil, 1988.

BRANDÃO, J. Dicionário Mítico-etimológico. São Paulo: Vozes, 2014.

BUCKLAND, R. O Guia da Tradição Wicca para bruxos Solitários. São Paulo: Pensamento, 2004.

GARDNER, G. A bruxaria hoje. São Paulo; Madras, 2019.

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